15.4.18

Book Report: Scar Tissue - Anthony Kiedis

Tive algumas fases Red Hot Chili Peppers.

A primeira foi em 1991 quando lançaram o clássico Blood Sugar Sex Magik e foi quando conheci a banda, o cabelo comprido e costas tatuadas do Anthony Kiedis. Escutei muito esse disco junto com minha fase grunge (Eddie Vedder era a minha voz favorita, Kurt Cobain para melancolia e Anthony Kiedis era o crush). Quando eles lançaram One Hot Minute em 1995 a fase continuava ali mas com menos intensidade.

A segunda fase começou com Californication (1999) teve um pico com By The Way (2002) e apagou com Stadium Arcadium (2006). Meu Anthony Kiedis favorito até então era o de By The Way (escutei muito esse disco).

Vieram ao Brasil algumas vezes mas nunca consegui vê-los ao vivo até esse ano.

Confesso que tinha deixado eles um pouco de lado no meu iPod, só poucas músicas nas playlists, aí escutei duas ou três músicas do album mais recente The Getaway de 2016. Gostei mas não dei muita bola até eles virem para o Rock In Rio e eu ver o show pela TV. Não sei se foi o bigodão do Anthony Kiedis, e ver que ele continua inteiraço, ou a energia da banda tocando ao vivo, mas voltei a fase RHCP. (Acho que esse Anthony Kiedis de bigode e cabelo curto é o meu novo favorito)

Me atualizei com o disco novo e o anterior (I'm with You de 2011), coloquei mais musicas deles nas playlists, fui escutar músicas de antes do Blood Sugar Sex Magik, analisei Californication, fiz uma lista dos 10 videos deles que mais gosto, fui no show deles no Lollapalooza mês passado e para terminar essa terceira fase (mas não muito) decidi ler a autobiografia do Anthony Kiedis que foi lançada em 2005 e nunca tinha lido.



No livro o Anthony Kiedis (AK para facilitar) conta sua vida desde que nasceu até 2004 que foi quando publicaram esse livro. É daqueles livros que dá para escutar a voz dele contando tudo que está acontecendo, ele é muito eloquente, e parei de ler algumas vezes para escutar as músicas.

AK faz uma auto análise muito interessante da sua pessoa nesse livro. Ele é arrogante, mimado, controlador, egoísta, se acha no direito de muitas coisas, imaturo emocionalmente, engana e mente (viciados em drogas fazem isso) e reconhece e assume todas essas facetas. Inclusive diz que muitas coisas que fez nunca pensou nas consequências para as outras pessoas porque a consequência para ele é que sempre conseguia o que queria.

(Mas também é um querido e carinhoso.)

O título do livro vem da música de mesmo nome do album Californication e na introdução ele escreve: "...the story of a kid who was born in Grand Rapids, Michigan, migrated to Hollywood and found more than he could handle at the end of the rainbow. This is my story, scar tissue and all."

As cicatrizes estão todas nas páginas.

Algumas partes desse livro mereceram olhos revirados e outras achei um pouco fantasiosas, mas a maior parte é muito boa. A seguir as partes que gostei muito.

-> O livro é basicamente sobre as drogas e a vida dele de viciado. A primeira página já é com ele relatando uma saidinha com seu traficante mexicano Mario para depois começar a contar a história dos pais.

Poucos relatos sobre drogas e a vida com vício são tão sinceros e detalhados como nesse livro. AK começou novo no mundo das drogas, seu pai era traficante e ele usou e abusou de tudo que tinha disponível por aí, especialmente cocaína e heroína. E, olha, não foram poucas drogas e ele fazia de tudo para consegui-las. AK conseguiu se manter sóbrio por 5 anos depois da primeira rehab séria que fez, mas teve inúmeras recaídas e outras tantas tentativas de se reabilitar (até conseguir em 2000 e acredito que continua sóbrio até hoje)

Só vou dizer que AK é um cara de muita sorte na vida (para tudo, desde carreira até vida de drogado). Um exemplo: ele teve um acidente de carro no meio do nada no Michigan e a única pessoa que escutou o acidente era um paramédico que morava perto e estava com a ambulancia na garagem. Nesse acidente ele quebrou alguns ossos do rosto.

Escutar Under The Bridge e Snow (e algumas outras músicas) depois de ler esse livro é uma outra experiência.

-> Esse livro contém toda história da banda Red Hot Chili Peppers até 2004. No meio da sua história com as drogas AK conta como a banda se formou, como começaram a compor as músicas, como faziam os primeiros shows, como foi o primeiro contrato para um disco, as várias formações da banda, os grandes shows, os amigos de outras bandas, etc. O processo deles de fazer músicas é muito interessante, inclusive a mistura de sons. Eles tem um som ótimo que é bem característico.

O RHCP apesar da imagem de maluquinhos é uma banda muito profissional. Foram de delinquentes (roubavam casas e tudo) para estrelas do rock n' roll. A música é o mais importante para essa banda, então quando estão juntos, seja fazendo discos ou shows, é quando estão no seu melhor. E eles são uma banda que gosta de fazer shows. Não é a toa que estão aí há 35 anos e continuam tocando com muita energia.

Quando gravaram Blood Sugar Sex Magik e fizeram o tour AK estava totalmente sóbrio. Aliás, quando fazia shows raramente estava drogado, ele deixava essa atividade para os intervalos e férias.

Depois de ler esse livro: Flea é um fofo, Chad é melhor pessoa, Frusciante é outro cheio de problemas mas é um talento nato, Dave Navarro sóbrio é bacana, e Hillel morreu cedo demais.

-> O relacionamento dele com o pai é curioso. AK foi morar com o pai na California aos 12 anos. O pai era um traficante que inclusive usava o AK em algumas de suas operações, e vivia aquela vida de Hollywood anos 1970. O pai só deixou de traficar drogas quando foi preso e decidiu se dedicar a ser ator. AK vivia num caos e ainda assim conseguia frequentar a escola e ter boas notas (mas também se drogava no meio tempo). Lendo o livro a gente vê que esse pai não tinha o menor cuidado com essa criança, mas AK adorava seu pai e seu relato é quase romântico no sentido que seu pai era seu herói. (E isso explica muito da personalidade dele)

-> Foi nesse livro que descobri que Eddie Vedder fazia parte de uma banda cover do Red Hot Chili Peppers e imitava Anthony Kiedis. (Taí uma coisa que eu gostaria de ter visto)

-> Eu já sabia que AK e Kurt Cobain eram amigos, mas nesse livro tem uma pequena declaração de amor para Kurt. (e fez uma música para Kurt Cobain chamada Tearjerker além de citá-lo em Californication)

-> Alguns relatos da vida amorosa dele são interessantes, outros nem tanto e estão ali só para fazer número (e dar uma certa vergonha alheia), mas os que importam são os que também fazem parte da trajetória dele no vício.

-> A história de como eles se apresentaram só com meias cobrindo as partes íntimas, que virou quase uma marca registrada da banda, é hilária. "We already had been playing shirtless and we realized the power and beauty of nudity onstage".

-> Momento inusitado. AK viajava bastante (com e sem a banda) e fez um trekking hard core na selva no Borneo e voltou de lá com dengue.

-> Um momento fofo foi quando a banda se fantasiou de Spice Girls para o aniversário de 10 anos da filha do Flea. AK era Posh Spice, Flea era Baby Spice, Frusciante a Sporty Spice e o baterista Scary Spice. Quando as meninas viram que eram homens vestidos de mulheres soltaram um EWWWW coletivo mas curtiram o show.

-> A Nina Hagen aparece um bocado nesse livro. Ela disse para eles bem no início que a banda seria grande, depois ela disse que mesmo que o mundo tivesse esquecido dela ela sempre seria bem vinda no Brasil como se fosse um dos Beatles (e tem 2 páginas do AK elogiando nosso país e os fãs brasileiros), e uma conversa com ela inspirou o grande hit Give It Away.

-> Ele fala de poucas músicas, mas depois de ler o livro é só escutar as músicas que muitas se explicam, inclusive algumas mais recentes como Dark Necessities.

Gostei muito de ler esse livro e ainda fiquei curiosa para saber o resto da história, de 2004 até hoje. De lá para cá John Frusciante saiu outra vez da banda e o Josh Klinghoffer assumiu a guitarra, a industria da música é outra, Anthony Kiedis teve um filho em 2007 e isso provavelmente mudou algumas coisas, ou não. Quando vejo as entrevistas recentes do AK o acho muito equilibrado e simpático (insira emoji com coração nos olhos).

Antes de ler essa autobiografia do Anthony Kiedis li um livro de entrevistas do jornalista Neil Strauss chamado Everybody Loves You When You're Dead, e em português ficou Fama E Loucura (tradução tenebrosa). Nesse livro o Neil Strauss entrevista o Flea sobre eles ainda fazerem tantos shows, mas antes dá uma definição da banda para os dias de hoje:

"When a band of hard-touring, hard-partying delinquents grows up, gets sober, starts families and finds spirituality, as in the case of the Red Hot Chili Peppers and its bassist Flea, something unexpected starts to happen: The rock and roll dream turns into a job - with very long hours."

Mas, apesar das longas horas, eles fazem esse trabalho com o maior prazer e a gente agradece.

Um beijo Anthony Kiedis. Até a próxima fase. 

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